domingo, 8 de janeiro de 2012

A propriedade de terra no agronegócio


Qual é o papel da propriedade da terra no desempenho do agronegócio brasileiro? O tema tem interesse para a formulação de políticas públicas de regularização fundiária e reforma agrária, tributação de produtores e empresas agropecuárias e regulação da aquisição de terras por estrangeiros. Por outro lado, o assunto afeta as estratégias privadas na análise de viabilidade de novos projetos agropecuários, na formação de portfólios de investimento e nas estratégias de aumento da escala de produção dos agricultores. 
 
Neste artigo pretende-se analisar alguns fatores que influenciam a distribuição desse ativo entre os agentes do setor ou entre as atividades agropecuárias. Serão focalizados os seguintes aspectos: (1) o mercado de terras para produção agropecuária, (2) a terra como reserva de valor e (3) a terra como fator de produção. Com isso espera-se esclarecer qual a posição atual e as perspectivas desse ativo no setor, dados os desafios de aumento da produção e eficiência do agronegócio brasileiro para atender a demanda dos mercados doméstico e global. 
 
O mercado de terras é formado pelas propriedades existentes ou criadas com novas delimitações, seus proprietários e os potenciais compradores. A formação de preços de terra envolve as condições institucionais de regularização dos títulos de propriedade na região, a infra-estrutura de transportes e comunicações, a distância dos centros consumidores e a aptidão para atividades agropecuárias. Pode-se considerar que, em uma determinada região, onde os fatores geográficos, institucionais e de mercado estão dados, o que define o preço de uma propriedade à venda é a conjuntura atual e perspectivas futuras da principal cultura das propriedades vizinhas. Neste caso, o preço reflete a renda esperada para o futuro empreendedor que adote a atividade econômica predominante. 
 
A correlação positiva entre o preço da terra e a cotação do produto a ser obtido com o seu uso produz uma situação de extrema volatilidade, característica dos mercados de commodities. Com isso, a avaliação dos projetos agropecuários novos ou de expansão da escala em propriedades existentes torna-se mais difícil, tendo em vista o aumento dos riscos envolvidos. Se o valor da terra apresenta uma grande amplitude de variação, a viabilidade econômica de um novo projeto agropecuário que inclua a aquisição da terra torna-se mais incerta. Outra conseqüência é a possibilidade de especulação por parte de proprietários ou intermediários, que podem estabelecer preços superiores à média histórica. Isto pode ocorrer em conjunturas excepcionais de altas cotações da commodity nos mercados internacionais, muitas vezes provocados por mudanças de posições de investidores sem base nas condições de oferta e demanda. 
 
A incorporação do risco do mercado de terras por parte do agricultor em suas decisões de investimento pode prejudicar o resultado de sua atividade, seja por um sub-investimento resultante da alta dos preços da terra ou por uma imobilização excessiva de capital neste ativo, se os preços estiverem muito depreciados. Assim, é necessário compartilhar esse risco com outros agentes. Isto poderia ser obtido com instrumentos que permitam a separação entre a propriedade e a gestão dos empreendimentos, como a obtida no mercado de ações.
 
Outro fator que afeta o mercado de terras é a demanda de compra de investidores estrangeiros ou nacionais decorrentes de variações no câmbio ou juros pagos por títulos públicos. Em situações de quedas de juros, os ativos reais podem se tornar atrativos como investimentos, provocando movimentos de alta de preços em imóveis urbanos e rurais, o que configura as chamadas “bolhas imobiliárias”. Atualmente o Brasil passa por um processo similar com o aumento dos preços dos terrenos e imóveis urbanos, tendo em vista o crescimento da oferta de crédito imobiliário. Existem dúvidas se o movimento é uma bolha, visto que o aumento de preços está apoiado em uma demanda reprimida por imóveis que começa a ser atendida. A alta demanda por terrenos urbanos pode estar afetando o mercado de imóveis rurais em regiões com maior densidade populacional, elevando os preços das terras para a agropecuária. 
 
O uso da terra como reserva de valor tem um longo histórico no agronegócio e no setor imobiliário. Trata-se de um investimento de baixa liquidez, rentabilidade incerta e custos consideráveis de administração (impostos, segurança etc), se for realizado por meio de aquisição direta de uma área para posterior revenda. As aplicações em títulos públicos representam o custo de oportunidade para o investimento em terras, sendo que nas últimas décadas as aplicações de renda fixa têm oferecido uma combinação de risco/retorno excepcional no Brasil. Essas condições tornam o investimento em terras pouco atrativo, além de bloquear a criação de novos empreendimentos agropecuários nas áreas adquiridas para especulação. 
 
A terra como fator de produção parece ser o enfoque correto para se avaliar a contribuição desse ativo no agronegócio, seja no nível das propriedades ou do setor de forma agregada. Neste sentido, a terra representa uma imobilização de capital que deve fazer sentido em uma determinada atividade agropecuária ou agroindustrial. A realização de um investimento para um novo projeto agropecuário deve considerar a viabilidade de se adquirir a propriedade em que ele será implantado. 
 
Atualmente, para se calcular o custo de oportunidade da aquisição de terras nas regiões Sudeste e Centro-Oeste deve-se considerar não somente os juros pagos por títulos públicos, mas a renda que determinada área pode gerar por meio de um arrendamento a usinas sucroalcooleiras para a produção de cana-de-açúcar. Este mecanismo tem sido utilizado de forma extensiva por essas empresas, como forma de garantir o fornecimento de matéria prima e evitar uma imobilização excessiva de capital em terras. Neste mercado, o proprietário de uma área apta para a cultura pode obter uma renda fixa sem riscos por meio deste tipo de arrendamento. Neste sentido, a avaliação de um novo projeto agropecuário envolve, entre outros fatores, a comparação entre os resultados esperados do empreendimento com aqueles que seriam obtidos com o arrendamento da área para cana-de-açúcar. 
 
Uma das alternativas para o compartilhamento dos riscos de investimentos em imóveis em franca expansão no Brasil é o fundo imobiliário. Trata-se de uma forma de captação de recursos para a incorporação e construção de imóveis, principalmente para aqueles direcionados para atividades empresariais ou de locação comercial. Esses fundos permitem que os cotistas sejam remunerados pelas rendas obtidas com o aluguel do imóvel em contratos de longo prazo e também pela valorização do imóvel, por mudanças de infra-estrutura da região ou aumento da demanda. A aplicação possui vantagens tributárias em relação aos fundos de investimento e as cotas podem ser negociadas em bolsas de valores, gerando uma liquidez superior ao investimento direto em imóveis.
 
Aparentemente, existe um enorme potencial para a criação de fundos imobiliários específicos para empreendimentos agropecuários ou agroindustriais. Neste caso, um agente financeiro e um incorporador fariam a captação de recursos para a aquisição da terra para o empreendimento. O fundo seria proprietário do imóvel, que seria alugado para a empresa responsável pelas atividades agropecuárias e agroindustriais do empreendimento. Da mesma forma que ocorre com os fundos de imóveis urbanos, os cotistas seriam remunerados pelo aluguel e pela valorização da área. 
 
Para que os fundos imobiliários possam ser utilizados no agronegócio, é necessário que os empreendimentos sejam conduzidos por empresas e não por pessoas físicas (produtores), como ocorre na maioria das propriedades rurais do Brasil. Esta condição facilita a captação de linhas de financiamento de bens de capital para o empreendimento e oferece maior transparência aos stakeholders pela exigência da apresentação de balanços. O ideal é que a empresa seja de capital aberto com ações listadas em bolsas, para favorecer o acompanhamento dos cotistas do fundo imobiliário que tem contrato com ela. 
 
A utilização dos fundos imobiliários permitiria o compartilhamento dos riscos de aquisição de imóveis rurais entre os cotistas, com maior transparência para a formação de preços e mecanismos de saída disponível pela negociação em bolsa. Com isso, as empresas agropecuárias e agroindústrias poderiam utilizar seus recursos somente na atividade fim, sem a necessidade de imobilizar capital em terra. Trata-se de um instrumento financeiro que pode oferecer uma contribuição relevante ao agronegócio brasileiro, por permitir uma utilização mais eficiente dos ativos dos agentes envolvidos.
 
A difusão da adoção desses fundos no setor poderia ser incentivada por políticas públicas específicas. Cabe ao governo analisar o produto e verificar a necessidade de alguma regulamentação específica aos fundos imobiliários para o agronegócio. Em seguida, poderiam ser realizadas ações de fomento como a criação de fundos por instituições financeiras públicas ligadas ao agronegócio, ou o aporte de recursos do BNDES em fundos com essa característica, como forma de demonstrar a viabilidade para os investidores privados. O setor financeiro brasileiro, particularmente o segmento de bancos de investimento, poderá responder com a oferta de produtos com esse perfil, desde que sejam oferecidas condições de segurança jurídica e clareza nas regras para a operação do produto. Com isso, a propriedade da terra no agronegócio passaria por uma mudança revolucionária no Brasil, contribuindo para a liberação de recursos necessários para o aumento da produção e da produtividade.
 
Antonio Carlos Lima Nogueira - Mestre em administração pela FEA-USP, presidente do ISDAS – Instituto de Sociedades em Desenvolvimento Auto Sustentável, e-mail: aclimano@gmail.com

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